top of page

POSTS RECENTES: 

Relação mãe e filha: Amor ou Devastação?

  • alexandra machado
  • 4 de fev. de 2015
  • 6 min de leitura

Relação mãe e filha: Amor ou Devastação?

Alexandra Machado.

RESUMO

A partir da afirmação de Lacan, em que diz, que uma mãe pode ser uma devastação para uma filha, esse artigo será trilhado nessa relação e sua importância para a constituição do sujeito. Do que se trata essa devastação e de como a menina consegue se separar da mãe, são questões no qual serão desenvolvidas ao longo do artigo.

Palavras-chave: Mãe; filha; amor; devastação.

________________________________________________________________________

Do Amor à Devastação

Segundo Freud, amor e ódio marcam a relação da menina para com a mãe, ele explica a intensidade desse ódio pela intensidade do amor que é vivido na fase pré-edipiana, advindo o ódio, posteriormente, através da decepção que a menina sofre em relação à mãe, ou seja, o amor à mãe está fadado a sucumbir, pois é muito mais sensível à frustrações e desapontamentos, sendo esse amor incapaz de obter satisfação completa, abrindo caminho para sentimentos de ódio e hostilidade. Essa atitude hostil é marcada pela constatação da menina de sua castração. Ou seja, a devastação para Freud está intimamente ligada ao destino do falo na menina e por sua inveja do pênis, no qual segundo Freud, deixa "marcas indeléveis em seu desenvolvimento e na formação de seu caráter" (1996, pg.154), podendo assim seu destino ser desdobrado em três caminhos, a saber: a recusa da sexualidade, o complexo de masculinidade e a atitude feminina normal. No qual, nesse último destino, a menina iria ceder o desejo de possuir o pênis ao desejo pelo filho.

Para ceder nesse desejo do pênis para o filho, a menina precisa fazer a passagem dos seus impulsos ativos para impulsos passivos endereçados ao pai. Ou seja, a menina precisa direcionar seu amor ao pai, no qual aponta Freud, ser essa transição como “algo mais do que uma simples mudança de objeto. [...] deve ser observado um acentuado abaixamento dos impulsos sexuais ativos e uma ascensão dos passivos” (1996, pg. 247). Nota-se então, que para a menina se separar da mãe se faz necessário um certo abandono da sua posição fálica que obtinha na relação com sua mãe, abrindo caminho para a feminilidade. Assim, a busca pelo pai se dá tanto porque ele é o suposto portador do falo, como porque ele é capaz de dar um filho como substituto simbólico fálico. Futuramente procurando a mulher em seus parceiros, esse algo que falta, a saber, o falo.

No entanto, Lacan, fazendo uma releitura de Freud, vai abordar a relação mãe e filha de uma outra forma, no qual ele se afasta um pouco da importância excessiva em que Freud dá à mãe, caracterizando essa relação mãe-filha, como uma relação dual. Ou seja, o que é essencial para Lacan, é o fato do sujeito saber se foi desejado pela mãe ou não. Sendo a mãe o Outro primordial para o sujeito, isto é, ele busca no desejo da mãe um lugar para se situar no Outro. Nos dizeres de Lacan,

"... No desejo da criança, no seu desejo, esse ser é essencial. O que o sujeito deseja? Não se trata simplesmente do apetite dos cuidados, do contato, talvez até da presença da mãe, mas do apetite do seu desejo. Desde esta primeira simbolização onde o desejo da criança se afirma, começam todas as complicações ulteriores da simbolização, naquilo que seu desejo é desejo do desejo da mãe" (2010, pg.182).

Portanto, Lacan aborda a devastação de uma outra maneira, a saber, o desejo da mãe não é de todo recoberto pelo significante, ele fala também de um gozo desconhecido, que está para além do desejo e da demanda, como se algo escapasse ao falo. Como também a castração, em sua visão, não se faz essencial para as mulheres. Em o 'Artudido' (2003), Lacan afirma que a menina parece esperar algo da mãe que não se situa totalmente sob a castração, mas sim a existência de alguma coisa que na relação da menina com sua mãe, isto é, na relação com a feminilidade, não se situaria no falo.

Para Lacan, a criança necessita ser amada na medida em que busca no amor um lugar para ser, ou seja, a demanda de amor da criança é também uma demanda de alguma resposta sobre o seu ser. Então, para a criança se separar do Outro materno é preciso que ela tenha primeiramente ocupado um lugar no desejo da mãe, se isso não ocorre, é como se a existência da criança ficasse em suspenso. Não encontrando um lugar no desejo da mãe, a menina fica privada de si mesma e muitas vezes impossibilitada de amar, ou seja, a devastação por excelência.

Devastação pode ser entendida aqui como remetendo a uma destruição completa, um aniquilamento, talvez à uma impossível troca fálica, no qual algo da mãe escapa a lei simbólica. Por isso a mãe tende a permanecer como Outro real , sendo assim à fusão impossível ou à persecução. A devastação comporta em si um lado fálico e um lado não fálico, ou seja, por um lado remete a reivindicação ligado ao desejo da mãe e, por outro lado, ligado à dificuldade de simbolização do gozo feminino. Ou seja, ela comporta uma perda que não pode ser simbolizada pela mãe fálica ou, significante fálico, que testemunha o que não é inscrito no desejo do Outro. E este não-lugar no desejo do Outro, não pode ser abrandado pela função paterna. A menina ao invés de inventar e se apropriar do seu desejo, fica impossibilitada e fixada na demanda direta à mãe.

Miller, afirma que a devastação é a outra face do amor. Para a mulher, o amor comporta um imperativo de que o Outro a ame e que ele diga o significante do seu ser. Quando a mulher fica fixada na relação pré-edipiana filha-mãe, ela não consegue colocar seu ser na troca amorosa, ou seja, o infinito da demanda de amor retorna à mulher como forma de devastação. A devastação vai remeter à uma dor sem limites, a um estrago que estende a tudo, inclusive na relação amorosa. Lacan também traz essa comparação da devastação com a relação amorosa quando diz "... um homem é para uma mulher, tudo o que vocês quiserem, a saber, uma aflição, pior do que um sinthoma. Vocês podem articulá-lo como lhes convém. É uma devastação" (2010, pg. 101). A possibilidade do amor apontam para uma demanda infinita que retorna com um poder de destruição avassalador, possível de se ver e sentir nesses palavras à seguir: Quando amanhecia antes, já era noite e tudo doía. Eu tinha um punhado de angústia no peito, eu era a personificação da melancolia. Quando amanhecia, antes nunca era dia. O meu amor pasteurizado com prazo de validade vencido. O seu abraço cinematográfico, técnico como nos filmes. Mas a cena era perfeita pra quem via. Mas a cena era encenação, eu sabia. Quando amanhecia antes, eu estava oca, fazia sol, era verão, mas me agarrava aquele frio. Havia tesão, sem comunhão. A nossa excitação pedia socorro. E almejávamos o gozo absoluto para manter incólume aquela ofegância que chamávamos de amor. Quando amanhecia, eu tinha o sono dos sonhos perdidos. Antes, eu não sabia... A noite morava em mim e eu não sabia.

Então, para concluir, quando não há a troca de objeto amoroso, a saber, da mãe para o pai, isto é, quando algo da mãe escapa à lei simbólica que deveria tê-la feito objeto de troca, a menina não metaforiza a falta, não toma conhecimento da castração da mãe e, fica presa a demanda materna. Aqui, aproxima-se amor e devastação, como lembra Miller, a devastação não é simétrica ao sintoma, ela é a outra face do amor, a face de gozo infinito e o amor, é uma busca infinita de substância, sem limite.

Referências Bibliográficas

FREUD, S. Algumas Consequências Psíquicas da Distinção Anatômica entre os Sexos, 1925. In: O Ego e o Id e outros trabalhos, vol. XIX. Rio de Janeiro. Editora Imago, 1996.

_______ Sexualidade Feminina, 1931. In: O Futuro de uma Ilusão, o Mal-Estar na Civilização e outros trabalhos, vol. XXI. Rio de Janeiro. Editora Imago, 1996. Pg. 247.

_______ Conferência XXXIII Feminilidade, 1933. In: Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise e outros trabalhos, vol. XXII. Rio de janeiro: Editora Imago, 1996. Pg. 154.

LACAN, J. O Seminário, Livro 5. As formações do inconsciente, 1957-58. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. Pg. 182.

_______ O Artudido, 1973. In: Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

_______ O Seminário, Livro 23. O Sinthoma, 1975-76. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. Pg. 101.

MILLER, J-A Uma Partilha Sexual, 2003. In: Clique n.2. Belo Horizonte, 2003.


 
 
 

Comentários


© 2023 por Armário Confidencial. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page