Infância e contemporaneidade, a negação da castração.
- alexandra machado
- 24 de abr. de 2015
- 2 min de leitura

Lendo um livro da Renata Petri sobre Psicanálise e infância, clinica com crianças, me deparo com um trecho em que retrata a realidade de cada dia em relação aos pais e seus filhos no qual acho que merece algo a ser descorrido sobre num intuito de problematização.
O trecho é esse: "A exigência dos pais reais enquanto Outros reais com relação à criança sofre o atravessamento do discurso social vigente, o qual, em nossa contemporaneidade, remete-se à realização de um ideal negador da castração, enquanto o não-cumprimento desse ideal é justamente "o que vem manter a criança nesse pouco de liberdade subjetiva, nessa pequena margem que a protege de uma alienação realiada" (Melman)."
Me ponho a perguntar o quão é insuportável aos pais ver que o filho não está feliz 24 horas ao dia, mas antes de entrar nesse aspecto, gostaria de esclarecer alguns conceitos da psicanálise citados no trecho à cima.
Lacan traz como estrutura do sujeito o Real, simbólico e imaginário formando o nó borromeno, e um quarto aro desse nó que seria o que ele chama de Sinthome. Quando se fala aqui de real, não estou me referindo a realidade do senso comum, mas sim a impossibilidade de sair da esfera do desejo, ou seja, da linguagem. Contudo o Outro na infância tem ainda uma consistência tal que lhe demanda estar encarnado em um outro real, presentificado em um primeiro momento pela mãe, a qual designamos ser o Outro primordial, lugar de linguagem e tão logo a mãe consista em ser falante, desejante, abre-se o espaço para a intervenção de um terceiro elemento, a saber o pai, presentificado pelo pai. Os "pais da realidade" encarnam então as três funções paternas - real, imaginária e simbólca. No entanto, estão sempre uma posição de relativa carência quanto a essas funções, introduzindo para a criança a categoria do impossivel, isto é, como diz Neuter, "impossivel se igualar à onipotência do pai simbólico, impossivel se igualar à perfeição do pai imaginário, impossivel enfim possuir e satisfazer completamente a mãe." Os pais como suporte do Outro, principalmente a função paterna (conceito já explicado em outro texto desse site) é indispensável ao engendramento de um sujeito através dessa essencial falta do Outro, no qual a criança se depara no processo de castração. A partir da construção do sintoma a que essa falta produz é que será produzido um sujeito. Sendo essa mesma falta que os pais tentam tamponar o tempo todo, movidos por um discurso social sobre a criança nos tempos de hoje onde a criança não pode ser frustrada em momento nenhum, ela não pode se deparar com essa falta, embora sejamos todos seres faltantes.
O que vejo até em minha clinica são pais com a demanda inicial de um pedido para que "conserte"a criança de alguma falha de funcoinamento, através da supressão do sintoma, ou seja, tornar a criança feliz preservando-a das vicissitudes da castração. Os pais pedem assim ao analista ajuda para realizarem, na criança, seu ideal.
Temos que ter cuidado com os discursos midiáticos e suas produções em nossos desejos, para não sermos capturados pelo nosso ideal e impor esse ideal à criança.
Alexandra Machado.
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